A Arte de bem viver
A Arte de bem viver
D. Manuel Pelino bispo emérito de Santarém
Várias pessoas têm manifestado o sonho de que este flagelo do Covid-19, para além do sofrimento e do medo que nos infunde, poderá contribuir para um processo de transformação do modelo de vida moderna, tecnicamente muito evoluído mas pobre em humanismo e destruidor de valores fundamentais. Em bastantes e interessantes comentários que circulam pelas redes socias, é afirmada a necessidade de criar um estilo de comportamento mais são, mais solidário, uma maior comunhão das pessoas e dos povos, uma maior atenção e respeito pela natureza e pela beleza do universo. Será uma utopia? Ou uma possibilidade real? Todos parecem concordar que o padrão de qualidade de vida que atualmente nos inspira precisa mesmo de mudar. No fundo todos precisamos de exercitar a arte de bem viver. Diferente da vida com abundância, com produtividade sempre maior, com bem-estar cada vez mais desenvolvido.
De facto, o sistema económico-financeiro e a cultura dominante têm conduzido à poluição preocupante da atmosfera, à exploração desenfreada dos recursos naturais, ao individualismo empobrecedor, à indiferença, à acumulação de riqueza por alguns e pobreza de muitos outros. Será qualidade de vida andar a correr de um para outro lado, solicitados pela publicidade de tantas ofertas, sem espaço para o encontro consigo mesmo, com a família, com os amigos, com o universo e com Deus? Será educação de qualidade preocupar-se predominantemente com as notas altas dos filhos, muitas vezes através de sobrecarga de explicações, sem tempo para brincar e conviver? O desenvolvimento tecnológico processa-se a par com uma crise global dos alicerces da nossa sociedade: da família, da natalidade, da relação humana, da educação, da espiritualidade e de muitos valores éticos. Cresce o bem estar material enquanto parece diminuir a vida interior e a sabedoria, Vivemos bem mas falta-nos a arte de bem viver. Precisamos realmente de mudar.
A arte de bem viver relaciona-se com os valores que inspiram o sentido da existência, como a liberdade e a paz interiores, a harmonia com Deus, com a Terra Mãe e com os outros. Foi a novidade que Jesus nos veio trazer: “Eu vim para que tenham a vida em plenitude”. A arte de bem viver não está em viver para nós mas em gastar a vida para promover o bem, a justiça e a solidariedade. È um estilo inspirado pelo Espírito Santo cujos frutos são o amor, a alegria, a paz, o serviço. É o caminho do evangelho, esquecido numa cultura que pôs de Deus de lado e agora descobre que sem Deus a pessoa fica humanamente mais pobre, sem alicerce e sem referências éticas.
O drama que estamos a viver convida-nos realmente a reconhecer as nossas fragilidades e incapacidades. “Não somos como deuses”, (a tentação do pecado original), somos apenas criaturas limitadas, sujeitas ao sofrimento e à morte. Precisamos realmente de ser humildes e reaprender a arte de viver. É a proposta de Jesus, o verdadeiro Mestre da vida, Aquele que nos ensina a arte essencial: a arte de ser verdadeiramente homem, a arte de viver e de morrer (cf “Spe Salvi, 6, Bento XVI).